(Tradução para o português do Brasil realizada por Adriano Mitre para o ensaio Keep Your Identity Small de Paul Graham.)
Fevereiro de 2009
Hoje finalmente entendi porque política e religião levam a discussões tão singularmente inúteis.
Via de regra, qualquer menção sobre religião num fórum online se degenera numa disputa religiosa. Por quê? Por que isso ocorre com religião e não com Javascript, culinária ou outros tópicos que as pessoas conversam nos fóruns?
O que diferencia a religião é que as pessoas não sentem que precisam ter nenhuma expertise particular para formar opiniões a respeito. Elas acreditam só precisar ter crenças fortes, e isso qualquer um pode ter. Nenhuma conversa sobre Javascript crescerá tão rápido quanto uma sobre religião, porque as pessoas sentem que precisam estar acima de um certo limiar de expertise para postar comentários sobre isso. Mas em matéria de religão, todo mundo é um expert.
Foi quando me ocorreu: esse também é o problema com política. Política, como religião, é um tópico em que não há limiar mínimo de expertise para expressar uma opinião. Tudo o que você precisa são convicções fortes.
O que religião e política teriam em comum para justificar essa similaridade? Uma possível explicação é que ambos lidam com questões que não possuem respostas definitivas, então não há um contrapeso às opiniões das pessoas. Como não se pode provar que alguém está errado, toda opinião é igualmente válida e, tendo isso em conta, cada um dispara a sua.
Para mim, o que religião e política têm em comum é que elas se tornam parte da identidade das pessoas e ninguém consegue conduzir uma discussão frutífera sobre algo que é parte de sua identidade. Elas tomarão partido, por definição.
Quais assuntos envolvem a identidade das pessoas não depende do assunto, mas das pessoas. Por exemplo, uma discussão sobre uma batalha que inclua participantes de um ou mais países envolvidos no combate provavelmente se degenerará numa briga política. Esse provavelmente não seria o caso de uma discussão feita hoje a respeito de uma batalha que ocorreu na Idade do Bronze. Ninguém saberia de que lado ficar. Logo, não é política a raiz do problema, mas identidade. Quando as pessoas dizem que uma discussão se tornou uma guerra religiosa, o que eles querem de fato dizer é que ela começou a ser movida principalmente pela identidade das pessoas. [1].
Como o ponto em que isso acontece depende das pessoas e não do tópico, é um erro concluir que se uma questão tende a provocar guerras religiosas, então ela não deve ter resposta. Por exemplo, uma questão sobre os méritos relativos de linguagens de programação com freqüência se degenera em guerra religosa, porque demasiados programadores se identificam como programadores da linguagem x ou y. Isso às vezes leva as pessoas a concluir que a questão deve ser irrespondível — logo, todas as linguagens são igualmente boas. Obviamente isso é falso: tudo o mais que as pessoas constroem pode ser bem ou mal projetado; por que linguagens de programação seriam um caso à parte? E de fato é possível se ter uma discussão frutífera sobre os méritos relativos de linguagens de programação, desde que não haja participantes respondendo por identificação.
De maneira mais geral, você pode ter uma discussão frutífera sobre um assunto somente se ele não envolve identidades de nenhum dos participantes. O que torna política e religião campos-minados é que elas envolvem a identidade de pessoam demais. Mas você poderia, em princípio, ter uma discussão útil sobre política ou religião com algumas pessoas. E há também assuntos que parecem inofensivos, como uma comparação sobre pickups Ford e Chevrolet, que se revelam perigosos de se falar com algumas pessoas.
A coisa mais intrigante sobre esta teoria, é que se ela estiver certa, ela explica não apenas quais discussões evitar, mas também como ter idéias melhores. Se as pessoas não conseguem pensar com clareza sobre aquilo que se tornou parte de sua identidade, então o restante sendo igual, o melhor plano é deixar o mínimo de coisas possíveis fazer parte de sua identidade. [2]
A maior parte dos leitores deste ensaio já deve ser bastante tolerante. Mas há um passo além de considerar a si próprio um x mas tolerar um y: sequer se considerar um x. Quanto mais rótulos você possui para si, mais tolos eles te tornam.
[1] Quando isso ocorre, tende a acontecer rápido, como um núcleo se tornando crítico. O limiar para paritcipar desce para zero, trazendo mais pessoas. E elas tendem a dizer coisas incediárias, provocando mais numerosos e raivosos contra-argumentos.
[2] Há coisas que são vantagem incluir na sua identidade. Por exemplo, ser um cientista. Mas defensavelmente isso é mais um guarda-lugar do que um rótulo — como colocar SNM (sem nome do meio) num formulário que pede seu nome do meio — porque não o compromete a acreditar em nada em particular. Um cientista não está comprometido com acreditar na seleção natural da mesma maneira que um estudioso da bíblia está comprometido com rejeitá-la. Tudo o que ele está comprometido é com seguir as evidências para onde quer que elas levem.
Considerar a si mesmo um cientista é equivalente a colocar um aviso num armário dizendo "este armário deve ser mantido vazio." Sim, sendo estrito, você está colocando algo no armário, mas não no sentido convencional.
Agradecimentos para Sam Altman, Trevor Blackwell, Paul Buchheit e Robert Morris por terem lido rascunhos deste texto.